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MIP

MIP: Controle biológico por microorganismos

28 de junho de 2025
Matheus L.
16 min de leitura

A Natureza como Aliada: Reexplicando o Controle Biológico

No coração do Manejo Integrado de Pragas (MIP), reside uma das estratégias mais elegantes e sustentáveis: o Controle Biológico. Longe de ser apenas uma técnica, é uma filosofia que busca reestabelecer o equilíbrio ecológico na lavoura. Em vez de declarar uma guerra química total, o controle biológico nos convida a entender e a manipular as relações naturais entre os organismos para nosso benefício.

A premissa é simples: todo ser vivo possui inimigos naturais. O controle biológico consiste em utilizar esses inimigos — que podem ser macro-organismos como predadores e parasitoides, ou micro-organismos como fungos, bactérias e vírus — para manter a população de pragas abaixo do Nível de Dano Econômico (NDE).

Pense nisso como contratar uma equipe de segurança viva e autorregenerativa para a sua lavoura, em vez de apenas instalar alarmes. É uma solução dinâmica, inteligente e, acima de tudo, resiliente.

Neste artigo, vamos mergulhar no universo dos aliados invisíveis: os microrganismos entomopatogênicos, que causam doenças em insetos e são uma ferramenta poderosa e cada vez mais indispensável na agricultura moderna.

O Preço da Simplificação: Monocultura e o Surgimento de Pragas

A agricultura moderna, em sua busca por produtividade, muitas vezes recorre a práticas como a monocultura, o uso de transgênicos e a aplicação intensiva de inseticidas. Essa simplificação do agroecossistema, embora possa trazer ganhos de curto prazo, cobra um preço alto. A remoção da diversidade natural elimina os habitats e as fontes de alimento para os inimigos naturais, quebrando a cadeia de mortalidade natural que antes mantinha as populações de insetos em equilíbrio.

Como resultado, insetos que antes não representavam ameaça se tornam pragas severas. A dependência de inseticidas químicos, por sua vez, leva à seleção de populações de pragas resistentes, à eliminação de organismos benéficos (como polinizadores) e à contaminação ambiental. É nesse cenário de desequilíbrio que o MIP, e em especial o controle biológico, se apresentam como a base para uma agricultura sustentável.

Uma Breve História sobre Doenças em Insetos

A ideia de usar doenças para controlar pragas não é nova. A patologia de insetos, que tem como meta o controle biológico por meio de agentes infecciosos, é observada e relatada há milênios. Nossos ancestrais já documentavam os efeitos desses patógenos muito antes de compreenderem sua natureza.

  • 2200 a.C.: Registros egípcios já relatavam doenças misteriosas que afetavam colônias de abelhas.
  • 2000 a.C.: Na China e na Grécia, foram descritas doenças que dizimavam as criações do bicho-da-seda.
  • 1664: Na Inglaterra, há uma recomendação para usar macerados de lagartas doentes para controlar pragas florestais.
  • 1726: Ocorre o primeiro isolamento de um fungo do gênero Cordyceps a partir de um lepidóptero.
  • 1834: O cientista Agostino Bassi descobre que a doença "Muscardine", que atacava o bicho-da-seda, era causada por um fungo, que mais tarde foi nomeado Beauveria bassiana em sua homenagem. Essa descoberta é considerada o marco inicial da patologia de insetos como ciência.
  • Século XX: Foi marcado pela descoberta do potencial de Bacillus thuringiensis (1906) e dos vírus entomopatogênicos.

Essa longa história de observação e pesquisa formou o alicerce para o desenvolvimento dos bioinseticidas que usamos hoje, transformando o conhecimento antigo em tecnologia de ponta para o campo.

Os Exércitos Invisíveis: Tipos de Microrganismos Usados no Controle Biológico

O controle biológico microbiano utiliza uma gama diversificada de patógenos para infectar e controlar insetos-praga. Cada grupo possui características e modos de ação únicos, oferecendo um leque de soluções para diferentes desafios na lavoura. Os principais grupos são:

  • Fungos: Agem por contato, penetrando na cutícula do inseto. São muito eficazes em ambientes com umidade adequada.
  • Bactérias: Precisam ser ingeridas pela praga. A mais famosa, Bacillus thuringiensis (Bt), produz toxinas que destroem o sistema digestivo de lagartas e besouros.
  • Vírus: Altamente específicos, também precisam ser ingeridos. Eles se replicam dentro do hospedeiro, causando uma infecção letal.
  • Nematoides: Vermes microscópicos que buscam ativamente seus hospedeiros no solo ou em galerias.
  • Protozoários: Causam doenças crônicas que geralmente não matam o inseto rapidamente, mas reduzem seu vigor e capacidade reprodutiva.

Foco nos Fungos: Os Operários do Controle Microbiano

Dentre o exército de microrganismos utilizados no Controle Biológico, os fungos entomopatogênicos se destacam. Eles foram os primeiros patógenos a serem identificados como causadores de doenças em insetos e, até hoje, representam a vanguarda da pesquisa e aplicação no controle microbiano. De fato, mais de 50% dos trabalhos científicos sobre o tema envolvem esse grupo, e a maioria dos fungos com potencial para controle de pragas já foi relatada no Brasil, demonstrando a vasta biodiversidade e o potencial do nosso país nessa área.

A principal vantagem dos fungos sobre outras classes de microrganismos, como vírus e bactérias, é o seu modo de ação por contato. Enquanto os outros precisam ser ingeridos pela praga para agir, o fungo inicia seu processo infeccioso a partir do simples contato com a cutícula (o "exoesqueleto") do inseto, tornando-o uma ferramenta extremamente versátil.

Os fungos entomopatogênicos mais utilizados no controle biológico são do grupo dos Deuteromycetes, que incluem gêneros como Beauveria, Metarhizium, Sporothrix e Isaria. Esses fungos produzem estruturas especializadas chamadas conídios, que são esporos altamente adaptados para aderir à cutícula do inseto e iniciar o processo de infecção.

Os fungos entomopatogênicos são particularmente eficazes contra uma ampla gama de insetos, incluindo lagartas, besouros, percevejos e moscas. Eles são aplicados em forma de bioinseticidas, que podem ser pulverizados nas lavouras ou aplicados no solo.

Além de serem eficazes, os fungos entomopatogênicos são considerados seguros para o meio ambiente e para os seres humanos, pois não afetam organismos não-alvo e não deixam resíduos tóxicos nas plantas.

O uso de fungos entomopatogênicos no controle biológico é uma prática antiga, com registros que remontam a mais de 2000 anos. No entanto, a pesquisa científica sobre esses organismos começou a ganhar força no século XIX, com o trabalho de Agostino Bassi, que isolou o primeiro fungo entomopatogênico conhecido, Beauveria bassiana, em 1835.

Desde então, a pesquisa sobre fungos entomopatogênicos tem avançado rapidamente, com a identificação de novas espécies e isolados, o desenvolvimento de técnicas de produção em larga escala e a formulação de bioinseticidas cada vez mais eficazes.

Hoje, os fungos entomopatogênicos são amplamente utilizados no controle biológico de pragas em todo o mundo, com destaque para o Brasil, que é um dos maiores produtores e consumidores de bioinseticidas à base de fungos.

Dispersão dos Fungos Entomopatogênicos

Após a formação dos propágulos infectivos (conídios), a dispersão dos fungos entomopatogênicos ocorre por diversos agentes ambientais e biológicos:

  • Vento: O vento é um dos principais responsáveis por transportar os esporos a longas distâncias, facilitando a colonização de novas áreas e hospedeiros.
  • Chuva: Gotas de chuva podem salpicar os esporos presentes no solo ou em superfícies, promovendo sua dispersão para plantas e insetos próximos.
  • Animais: Pequenos mamíferos, aves e outros animais podem carregar esporos aderidos ao corpo, contribuindo para a disseminação dos fungos no ambiente.
  • Artrópodes: Insetos e outros artrópodes podem transportar esporos em suas patas ou corpo, atuando como vetores secundários e facilitando o contato dos fungos com novos hospedeiros.

Esses mecanismos garantem que os fungos entomopatogênicos estejam sempre presentes no ambiente agrícola, prontos para infectar novas populações de pragas e contribuir para o equilíbrio ecológico.

O Ciclo de Vida e o Processo de Infecção dos Fungos Entomopatogênicos

O ciclo de vida dos fungos entomopatogênicos é complexo e fascinante, envolvendo várias etapas que garantem a infecção e a reprodução do fungo. O processo pelo qual um fungo infecta e mata um inseto é uma sequência de eventos biológicos detalhados a seguir. Note que, antes de iniciar o ciclo, os conídios (esporos) precisam ser dispersos no ambiente — processo já explicado acima — para alcançar os hospedeiros:

  1. Produção de Conídios (Esporos): O ciclo começa com a produção de conídios, que são os esporos do fungo. Esses conídios são liberados no ambiente e podem ser transportados pelo vento, água, animais ou insetos, como descrito anteriormente.
  2. Adesão ao Hospedeiro: Quando um conídio pousa na cutícula de um inseto, ele adere à superfície por meio de forças eletrostáticas e substâncias mucilaginosas presentes no esporo, que o "colam" na superfície da praga.
  3. Germinação: Sob condições favoráveis de umidade e temperatura, o conídio germina, formando um tubo germinativo que cresce em direção à cutícula do inseto.
  4. Formação do Apressório: A ponta do tubo germinativo se diferencia e forma uma estrutura especializada chamada apressório, que se fixa firmemente na cutícula do inseto, preparando o terreno para o ataque.
  5. Penetração: A Quebra da Carapaça: O apressório utiliza uma estratégia dupla para romper a barreira física da cutícula:
    • Pressão Mecânica: O apressório gera uma enorme pressão física, empurrando uma estrutura fina chamada "grampo de penetração" contra a carapaça do inseto.
    • Ação Enzimática: Simultaneamente, o fungo libera enzimas como quitinase (quebra a quitina), protease (quebra proteínas) e lipase (quebra lipídios), degradando quimicamente o exoesqueleto e abrindo caminho para o interior do hospedeiro.
  6. Colonização Interna: Uma vez dentro do corpo do inseto (hemocele), o fungo se multiplica rapidamente na forma de hifas ou blastosporos, que circulam pela hemolinfa e consomem os tecidos internos do hospedeiro.
  7. Morte do Hospedeiro e Produção de Toxinas: O inseto geralmente morre entre 3 e 8 dias após a infecção, devido à destruição dos tecidos, depleção de nutrientes e produção de micotoxinas (como beauvericina e destruxinas), que aceleram o colapso dos sistemas do hospedeiro.
  8. Extrusão e Esporulação: Após a morte, o fungo cresce para fora do corpo do inseto, rompendo o tegumento. Na superfície do cadáver, ele produz novos conídios, formando uma aparência mumificada e coberta por mofo. Esses esporos são então dispersos no ambiente, reiniciando o ciclo por meio dos mecanismos já descritos.
Inseto coberto por fungos, mostrando sinais visíveis de infecção.
Figura 2: Inseto com sinais visíveis de infecção fúngica.
Imagem gerada por inteligência artificial com o Google Image3 .

O Hospedeiro Reage: Mecanismos de Defesa do Inseto

A relação fungo-inseto é uma coevolução constante. Os insetos não são vítimas passivas e desenvolveram mecanismos de defesa para tentar impedir a infecção:

  • Defesas Comportamentais: Alguns insetos podem tentar remover os esporos do corpo através da limpeza ou buscar locais com temperaturas mais altas ("febre comportamental") para inibir o desenvolvimento fúngico.
  • Defesas Físicas e Químicas: A própria cutícula, com suas camadas de cera e ácidos graxos, é a primeira barreira, podendo inibir a germinação de alguns esporos.
  • Defesas Imunológicas: Se o fungo consegue penetrar, o sistema imune do inseto entra em ação. Células de defesa (hemócitos) tentam realizar a fagocitose (engolfar e destruir o patógeno) ou a encapsulação (formar uma cápsula de melanina ao redor das hifas para isolá-las), embora muitas vezes o fungo consiga superar essas defesas.

Principais Gêneros de Fungos Usados no Brasil

Diversos fungos são utilizados comercialmente no Brasil, cada um com suas pragas-alvo e particularidades.

  • Metarhizium anisopliae: Um dos mais versáteis, eficaz contra cigarrinhas da pastagem e da cana-de-açúcar, besouros e outras pragas.
  • Beauveria bassiana: Outro campeão de uso, controla a broca-do-café, mosca-branca, ácaros e o percevejo-de-renda da seringueira.
  • Sporothrix insectorum: Altamente específico para o controle do percevejo-de-renda da seringueira.
  • Isaria fumosorosea (atualmente Cordyceps javanica): Utilizado contra mosca-branca e outras pragas de hortaliças.

A pesquisa continua a descobrir novas espécies e isolados, incluindo o uso de fungos como endofíticos — que vivem dentro da planta sem causar doença a ela, mas conferindo proteção contra o ataque de pragas. Estudos demonstram que plantas de pastagem colonizadas por Metarhizium podem prejudicar o desenvolvimento e a reprodução da lagarta-do-cartucho (*Spodoptera frugiperda*), abrindo uma nova fronteira para o uso desses aliados invisíveis.

Como usar eficientemente os fungos entomopatogênicos

O sucesso no uso de fungos entomopatogênicos depende de uma série de fatores ambientais e biológicos que favorecem tanto a aplicação quanto a infecção eficiente dos insetos-praga. Para maximizar a eficácia dos bioinseticidas fúngicos, é fundamental observar as seguintes condições:

  • Umidade Relativa Elevada: A germinação dos esporos e o desenvolvimento do fungo são favorecidos por umidade relativa acima de 70%. Aplicações em períodos secos tendem a ser menos eficazes.
  • Temperatura Moderada: A maioria dos fungos entomopatogênicos apresenta melhor desempenho em temperaturas entre 20°C e 30°C. Temperaturas extremas podem inibir o crescimento e a infecção.
  • Baixa Radiação Solar: A luz solar intensa pode degradar os esporos. Recomenda-se aplicar os produtos no final da tarde, início da manhã ou em dias nublados.
  • Contato Direto com a Praga: Como o modo de ação é por contato, é importante garantir que a pulverização atinja diretamente os insetos ou as superfícies onde eles transitam.
  • Evitar Mistura com Produtos Químicos Incompatíveis: Fungicidas e alguns inseticidas podem inativar os esporos. Consulte sempre a compatibilidade antes de misturar produtos.
  • População de Pragas em Níveis Alvos: O controle biológico é mais eficiente quando aplicado no início da infestação, antes que a população de pragas atinja níveis muito altos.
  • Armazenamento e Manuseio Adequados: Os produtos biológicos devem ser armazenados em local fresco, seco e protegido da luz para manter a viabilidade dos esporos.

Seguindo essas recomendações, o agricultor aumenta significativamente as chances de sucesso no controle biológico, promovendo uma agricultura mais sustentável e equilibrada.

Bactérias: As Fábricas de Toxinas do Controle Biológico

Se os fungos são os mestres da invasão por contato, as bactérias entomopatogênicas são as especialistas da guerra química interna. Diferente dos fungos, as bactérias precisam ser ingeridas pelo inseto-praga para exercerem seu efeito letal. Uma vez dentro do sistema digestivo do hospedeiro, elas liberam um arsenal de toxinas que agem de forma rápida e específica.

Dentro deste grupo, uma espécie reina suprema: o Bacillus thuringiensis (Bt). Esta bactéria Gram-positiva, habitante comum do solo, é a estrela do controle microbiano, sendo responsável por mais de 90% de todos os bioinseticidas comercializados no mundo. Seu sucesso se deve à sua alta especificidade e, principalmente, à sua segurança para mamíferos e outros organismos não-alvo.

Modo de Ação: Uma Guerra Química no Intestino do Inseto

O poder do Bacillus thuringiensis reside na sua capacidade de produzir, durante o processo de esporulação, um cristal de proteína paraesporal. Este cristal é, na verdade, uma pró-toxina inativa. A magia acontece quando uma lagarta ou outro inseto suscetível se alimenta de uma folha contendo esses cristais e esporos.

  1. Ingestão: A larva consome o cristal de proteína (pró-toxina) e o esporo da bactéria.
  2. Solubilização: No ambiente altamente alcalino (pH elevado) do intestino médio (mesêntero) do inseto, o cristal se dissolve, liberando as moléculas de pró-toxina.
  3. Ativação Enzimática: As proteases, enzimas digestivas presentes no intestino do inseto, clivam as moléculas de pró-toxina, ativando-as e transformando-as em toxinas funcionais.
  4. Ligação a Receptores Específicos: A toxina ativada se liga a receptores específicos na membrana das células epiteliais que revestem o intestino médio do hospedeiro. É essa especificidade na ligação que determina quais insetos são afetados por cada estirpe de Bt.
  5. Formação de Poros: Após a ligação, as moléculas de toxina se agrupam e se inserem na membrana celular, formando poros ou canais iônicos.
  6. Lise Celular e Morte: Esses poros destroem o equilíbrio osmótico da célula, que incha e se rompe (lise osmótica). A destruição massiva das células do intestino paralisa o sistema digestivo, e o inseto para de se alimentar em poucas horas.
  7. Septicemia: Com a parede intestinal rompida, os esporos de Bt e outras bactérias do intestino invadem a hemocele (cavidade corporal), causando uma infecção generalizada (septicemia) que leva o inseto à morte em 2 a 3 dias.
Larva morta após ingestão de Bacillus thuringiensis, mostrando sinais visíveis de infecção.
Figura 3: Larva de inseto morta após ingestão de Bacillus thuringiensis (Bt), evidenciando o efeito letal da bactéria. Fonte: University of Hawaii

O Arsenal de Toxinas do Bacillus thuringiensis

O sucesso do Bt se deve à sua incrível diversidade de proteínas inseticidas. As principais classes de toxinas são:

δ-endotoxinas (Proteínas Cry e Cyt)

São as principais proteínas inseticidas, que formam os cristais paraesporais. Elas são altamente diversas:

  • Proteínas Cry: A família mais vasta e estudada. Existem centenas de proteínas Cry diferentes (Cry1, Cry2, Cry3, etc.), cada uma com atividade específica contra diferentes ordens de insetos. Por exemplo, as toxinas Cry1 são geralmente ativas contra lagartas (Lepidoptera), enquanto as Cry3 são ativas contra besouros (Coleoptera).
  • Proteínas Cyt: Possuem atividade citolítica e são particularmente tóxicas para a ordem Diptera (moscas e mosquitos). Elas atuam sinergicamente com as proteínas Cry, ajudando a superar casos de resistência.

Proteínas Inseticidas Vegetativas (VIPs)

Diferente das Cry e Cyt, as proteínas VIPs são produzidas pela bactéria durante sua fase de crescimento vegetativo, não apenas na esporulação. Elas representam uma classe diferente de toxinas e são eficazes contra pragas que podem ser menos suscetíveis às proteínas Cry, ampliando o espectro de ação do controle biológico.

Aplicações Práticas: De Bioinseticidas a Plantas Transgênicas

A versatilidade do Bacillus thuringiensis permite duas grandes frentes de aplicação na agricultura:

  1. Bioinseticidas Formulados: São produtos comerciais, como o famoso DiPel®, que contêm uma mistura de esporos e cristais de uma ou mais estirpes de Bt. Eles são aplicados via pulverização, de forma semelhante a um inseticida químico, mas com a vantagem da alta seletividade e segurança ambiental. No Brasil, dezenas de produtos à base de Bt estão registrados para diversas culturas.
  2. Plantas Geneticamente Modificadas (Culturas Bt): Esta é talvez a aplicação mais conhecida da tecnologia. Os genes que codificam as proteínas Cry são isolados da bactéria e inseridos diretamente no genoma da planta, como milho, soja e algodão. A planta passa então a produzir sua própria toxina inseticida, se protegendo continuamente contra o ataque de lagartas e outras pragas-alvo. O manejo de resistência, através de áreas de refúgio, é uma prática fundamental para garantir a longevidade dessa tecnologia.

Nematoides: Os Caçadores Ocultos e Suas Armas Biológicas

Avançando em nosso arsenal de aliados invisíveis, encontramos os nematoides entomopatogênicos (NEPs). Diferente dos fungos e bactérias, estes organismos são vermes microscópicos, multicelulares, que habitam o solo. Eles representam uma forma de controle biológico fascinante, pois agem como verdadeiros caçadores que buscam ativamente suas presas no ambiente subterrâneo ou em galerias dentro das plantas.

Os nematóides possuem uma diversidade de estilos de vida: podem ser de vida livre, parasitas de plantas ou de animais. No entanto, para o controle biológico, nosso foco está nos gêneros que estabeleceram uma relação de parasitismo obrigatório com insetos, especialmente aqueles das famílias Steinernematidae e Heterorhabditidae. Eles são particularmente valiosos por sua capacidade de controlar pragas de difícil acesso, como larvas de besouros e lagartas que vivem no solo ou dentro dos caules.

Modo de Ação: Uma Parceria Letal com Bactérias Simbióticas

O modo de ação dos nematóides é uma obra-prima da evolução, baseada em uma relação de mutualismo com bactérias altamente virulentas. O nematoide não mata o inseto diretamente; ele funciona como um "veículo de transporte" ou um "míssil teleguiado" para entregar sua carga mortal: uma bactéria simbiótica.

  • Nematoides do gênero Steinernema são associados a bactérias do gênero Xenorhabdus.
  • Nematoides do gênero Heterorhabditis são associados a bactérias do gênero Photorhabdus.

O ciclo de infecção é rápido e implacável:

  1. Busca e Invasão: O nematoide em seu estágio juvenil infectivo (JI) localiza a praga no solo, atraído por sinais como dióxido de carbono e outras substâncias liberadas pelo hospedeiro. Ele penetra no corpo do inseto através de aberturas naturais, como a boca, o ânus ou os espiráculos (aberturas respiratórias).
  2. Liberação da Arma Biológica: Uma vez na hemocele do inseto, o nematoide regurgita a bactéria simbiótica que carrega em seu intestino.
  3. Morte Rápida por Septicemia: As bactérias se multiplicam exponencialmente na hemolinfa do hospedeiro. Elas produzem uma vasta gama de toxinas e enzimas que superam o sistema imune do inseto, causando uma infecção generalizada (septicemia) e matando a praga em um período de 24 a 48 horas.
  4. Reprodução no Cadáver: O ambiente interno do cadáver, agora transformado em uma "sopa nutritiva" pelas bactérias, torna-se o local ideal para o nematoide se alimentar, desenvolver e reproduzir, gerando várias novas gerações.
  5. Emergência e Dispersão: Quando os recursos do cadáver se esgotam, uma nova geração de juvenis infectivos emerge do inseto morto, carregando consigo a bactéria simbiótica, e parte em busca de novos hospedeiros para conquistar, reiniciando o ciclo.

Principais Gêneros e Aplicações

Os dois gêneros principais, Steinernema e Heterorhabditis, possuem estratégias de busca diferentes, o que os torna adequados para pragas distintas:

  • Steinernema: Muitas espécies adotam uma estratégia de "emboscada" (ambushers), esperando na superfície do solo pela passagem da presa. São ideais para pragas móveis. Outras espécies são "exploradoras" (cruisers), buscando ativamente o hospedeiro. Ex: Steinernema carpocapsae.
  • Heterorhabditis: São tipicamente "exploradores", mais móveis e agressivos na busca por hospedeiros mais sedentários, como larvas de besouros. Ex: Heterorhabditis bacteriophora.

No Brasil, há um crescente interesse e registro de produtos à base de nematóides, como o Terranem (Steinernema carpocapsae), para o controle do bicudo-da-cana (*Sphenophorus levis*) e outras pragas de solo, demonstrando seu enorme potencial para a agricultura nacional.

Como Usar Eficientemente os Nematoides Entomopatogênicos

O sucesso da aplicação de nematóides depende criticamente das condições ambientais, uma vez que são organismos aquáticos que vivem nos poros do solo.

  • Umidade do Solo é Essencial: Os nematóides precisam de uma película de água para se movimentar. O solo deve estar úmido antes, durante e após a aplicação. A irrigação é uma grande aliada.
  • Temperatura Adequada: A faixa de temperatura ideal do solo geralmente fica entre 15°C e 30°C. Temperaturas fora dessa faixa podem causar inatividade ou morte.
  • Proteção Contra Radiação UV: Os nematóides são extremamente sensíveis à luz ultravioleta. As aplicações devem ser feitas no final da tarde, à noite ou em dias nublados para evitar a exposição direta ao sol.
  • Tipo de Solo: Solos arenosos e de textura leve permitem melhor movimentação dos nematóides em comparação com solos argilosos e compactados.
  • Método de Aplicação: Podem ser aplicados com equipamentos de pulverização convencionais (removendo filtros finos), sistemas de irrigação (pivô central, gotejamento) ou drench.

Por sua capacidade de buscar ativamente pragas escondidas, os nematóides são uma ferramenta única e poderosa, complementando o arsenal do controle biológico e reforçando a sustentabilidade do Manejo Integrado de Pragas.

Vírus: Os Agentes de Controle Mais Específicos

Completando a tríade de microrganismos, chegamos aos vírus entomopatogênicos, os mais seletivos e especializados agentes de controle biológico. Diferente de muitos fungos, um vírus que infecta uma determinada espécie de lagarta é, na vasta maioria dos casos, completamente inofensivo para outras espécies, mesmo as de gêneros próximos, e também para predadores, parasitoides, polinizadores e vertebrados. Essa altíssima especificidade os torna ferramentas ecologicamente seguras, verdadeiros "mísseis teleguiados" contra pragas-chave.

Assim como as bactérias, os vírus precisam ser ingeridos pelo inseto hospedeiro. Eles são parasitas intracelulares obrigatórios, o que significa que só conseguem se replicar dentro das células vivas de seu hospedeiro. A família de vírus mais importante para a agricultura é, de longe, a Baculoviridae.

Baculovírus: Os Especialistas em Lepidópteros

Os baculovírus são o padrão-ouro para o controle viral de pragas, especialmente contra lagartas (Lepidoptera). Sua genialidade evolutiva reside na forma como sobrevivem no ambiente. As partículas virais infecciosas (os vírions) são protegidas dentro de uma robusta matriz de proteína chamada Corpo de Oclusão (CO). Essa cápsula proteica, formada por uma proteína chamada poliedrina ou granulina, funciona como uma armadura que protege os vírions da degradação por fatores ambientais, como a radiação ultravioleta do sol, permitindo que permaneçam viáveis nas folhas das plantas por dias ou semanas.

Existem dois gêneros principais de baculovírus, diferenciados pela estrutura de seus corpos de oclusão:

  • Nucleopolyhedrovirus (NPV ou VPN): Formam corpos de oclusão maiores, de formato poliédrico (múltiplas faces), que contêm vários vírions em seu interior. São, em geral, mais virulentos e representam a maioria dos bioinseticidas virais no mercado.
  • Granulovirus (GV): Formam corpos de oclusão menores, em forma de grânulos, contendo apenas um vírion cada. Podem agir de forma mais lenta, mas são igualmente eficazes e específicos.

O Ciclo de Infecção: Uma Tomada de Controle Biológica e Comportamental

O processo de infecção de um baculovírus é um exemplo notável de manipulação do hospedeiro, transformando a praga em uma fábrica e um dispersor de novos vírus.

  1. Ingestão e Liberação: Uma lagarta se alimenta de uma folha contaminada com os Corpos de Oclusão. Dentro do intestino médio da lagarta, o ambiente extremamente alcalino (pH alto) é a chave química específica que dissolve a cápsula de proteína, liberando os vírions infecciosos.
  2. Infecção Primária e Replicação: Os vírions liberados penetram nas células do epitélio intestinal e viajam até o núcleo. Ali, o vírus "sequestra" a maquinaria celular, forçando-a a parar suas funções normais e a produzir cópias do DNA viral e de todas as suas proteínas. A célula se torna uma fábrica de vírus.
  3. Infecção Sistêmica: Novas partículas virais (sem a proteção do corpo de oclusão) são liberadas na hemocele (o "sangue" do inseto) e se espalham pelo corpo, infectando outros tecidos como o corpo gorduroso, traqueia e epiderme. É uma infecção sistêmica que consome o inseto por dentro.
  4. Manipulação Comportamental e Sintomas: À medida que a infecção avança, os sintomas se tornam visíveis. A lagarta para de se alimentar, fica letárgica e sua pele (tegumento) adquire uma aparência esbranquiçada ou leitosa. Então, o vírus executa sua mais brilhante estratégia: ele induz o geotropismo negativo. A lagarta, em um comportamento semelhante ao de um "zumbi", é compelida a subir para as partes mais altas da planta, onde se fixa firmemente antes de morrer.
  5. Morte, Liquefação e Dispersão: Após a morte, o vírus produz enzimas que liquefazem completamente os tecidos internos da lagarta. O tegumento, agora frágil, se rompe facilmente ao menor toque ou com a chuva, liberando uma "calda viral" altamente infecciosa contendo bilhões de novos Corpos de Oclusão. O comportamento de subir na planta garante que essa calda viral escorra sobre as folhas abaixo, contaminando o alimento de outras lagartas e maximizando a dispersão do vírus pela lavoura.

Da Lagarta ao Bioinseticida: Como o Vírus é Produzido e Utilizado

Como os vírus são parasitas obrigatórios, sua produção em massa depende da criação do seu hospedeiro. O método mais comum, chamado de produção in vivo, segue um processo bem estabelecido:

  1. Criação Massal da Praga: O inseto-praga alvo (por exemplo, a lagarta-da-soja) é criado em grande quantidade em laboratório, alimentado com uma dieta artificial específica.
  2. Inoculação Controlada: As lagartas, em um estágio de desenvolvimento ideal, são alimentadas com uma porção de dieta que foi contaminada com o vírus.
  3. Coleta e Processamento: Após o período de incubação, as lagartas mortas pela virose, agora cheias de Corpos de Oclusão, são coletadas. Elas são então maceradas (trituradas), filtradas e purificadas para se obter a calda viral concentrada.
  4. Formulação: Essa calda é formulada como um produto comercial, geralmente líquido ou em pó molhável, com aditivos que garantem sua estabilidade e durabilidade.

A aplicação no campo é feita com pulverizadores convencionais, diluindo o produto em água. O sucesso da aplicação depende de aplicar no momento certo, visando as lagartas em seus primeiros ínstares (estágios de vida), que são mais suscetíveis, e preferencialmente em horários com menor radiação UV (final da tarde) para proteger os Corpos de Oclusão.

O Caso do Brasil: Liderança Mundial no Uso de Baculovírus

O Brasil não é apenas um usuário, mas um pioneiro e líder global na aplicação de baculovírus em larga escala. O programa de controle da lagarta-da-soja com o vírus Anticarsia gemmatalis Nucleopolyhedrovirus (AgMNPV), desenvolvido pela Embrapa nos anos 80, é um caso de sucesso mundial. Em seu auge, o programa cobriu mais de 2 milhões de hectares por safra, com um custo que chegava a ser 70% menor que o dos inseticidas químicos da época.

Outros programas de sucesso no país incluem o uso de baculovírus específicos para o controle do mandarová-da-mandioca (Erinnyis ello), da lagarta-do-cartucho do milho (Spodoptera frugiperda) e da traça-da-batata (Phthorimaea operculella), consolidando o Brasil como uma referência em controle biológico viral.

Protozoários: Os Microscópicos Parasitas de Insetos

Embora menos conhecidos, os protozoários entomopatogênicos também desempenham um papel no controle biológico de pragas. Esses organismos unicelulares, como Microsporidia, infectam insetos e podem causar doenças que levam à morte do hospedeiro.

Apesar de serem reconhecidos por causar danos e infecções em insetos, o uso de protozoários no controle biológico enfrenta importantes gargalos:

  • Poucos protozoários têm potencial de uso prático.
  • Causam infecções crônicas, ou seja, normalmente não matam rapidamente, mas reduzem o vigor e a reprodução do inseto.
  • Não há métodos disponíveis para produção massal, o que limita sua aplicação comercial.

Apesar dessas limitações, há estudos e programas de controle utilizando microsporídeos, como o Anncaliia algerae, que têm mostrado resultados promissores em determinadas situações e espécies de pragas.

Conclusão: A Revolução Silenciosa do Controle Biológico

O controle biológico com microrganismos entomopatogênicos representa uma revolução silenciosa na agricultura moderna. Esses aliados invisíveis, sejam fungos, bactérias, nematoides ou vírus, oferecem soluções sustentáveis e eficazes para o manejo de pragas, reduzindo a dependência de inseticidas químicos e promovendo a saúde do agroecossistema.

À medida que a pesquisa avança e novas tecnologias emergem, o potencial desses microrganismos só tende a crescer. O futuro da agricultura sustentável está cada vez mais ligado à compreensão e ao uso inteligente desses organismos como parte integrante do Manejo Integrado de Pragas (MIP).

Com o aumento da conscientização sobre a importância da biodiversidade e a necessidade de práticas agrícolas mais sustentáveis, o controle biológico com microrganismos entomopatogênicos se destaca como uma estratégia promissora para enfrentar os desafios do século XXI na agricultura.

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